quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Fracasso do neoconservadorismo católico brasileiro
 José Lisboa Moreira de Oliveira
 Filósofo, teólogo, escritor e professor universitário

Os dados do último censo demográfico revelaram uma queda no número de católicos no Brasil. Segundo as estimativas a percentagem caiu de 83,34% para 67,84% nos últimos 20 anos. A questão foi discutida na última assembleia geral da CNBB, em abril deste ano, em Aparecida (SP). Alguns bispos ficaram horrorizados com a notícia. Outros tentaram minimizar os dados, achando que se tratava de “intriga da oposição”. Outros, talvez mais realistas, não se assustaram com os dados do IBGE. O certo é que não seria necessário esperar estes dados oficiais para nos darmos conta deste fenômeno. Qualquer católico sério, antenado com a realidade, sabe muito bem que sua Igreja perde cada vez mais fiéis. Basta dar uma olhada nas missas, nos grupos, nos movimentos, nas pastorais, para perceber com clareza esta situação. É verdade que alguns templos ainda ficam repletos aos domingos e que alguns padres cantores reúnem milhares de pessoas em seus espetáculos religiosos. Alguns se iludem com isso e pensam piamente que a Igreja Católica ainda é uma força hegemônica. Mas este público é insignificante diante da percentagem de católicos, de modo que se pode afirmar, sem medo de errar, que o número de praticantes é bem inferior aos dados fornecidos pelo IBGE. Se formos fazer a conta na ponta do lápis é possível dizer que os católicos praticantes não superam os dez por cento. Se depois pensarmos na juventude participativa este número deve cair para menos de um por cento. Porém, o mais interessante nesta história é que a diminuição dos católicos no Brasil coincide com o desmantelo da Igreja da libertação e com a implantação de um regime católico neoconservador. Os católicos vão diminuindo no Brasil na medida em que as comunidades eclesiais de base vão sendo sistematicamente abolidas e substituídas pelos movimentos neopentecostais católicos.
 O número de católicos começa a cair a partir do momento em que são nomeados bispos mais conservadores, os quais são orientados a sistematicamente destruir todo e qualquer vestígio de Igreja da libertação. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Recife, por ocasião da substituição de Dom Hélder Câmara. A diminuição de católicos coincide com a chegada ao Brasil das redes católicas de televisão e seus programas de apologia ao conservadorismo. Os católicos diminuem enquanto aumenta o número de padres cantores, de padres na mídia e de seminaristas midiáticos, todos eles plugados vinte e quatro horas na internet para “evangelizar” através de meios moderníssimos e velozes. Os católicos diminuem na medida em que na Igreja aparecem e se multiplicam comunidades exóticas com seus trajes medievais e seus costumes estranhos e maniqueístas. A diminuição de católicos não para, apesar de todo o esforço para massacrar a teologia da libertação, punir teólogas e teólogos brasileiros, vestir clericalmente os padres, romanizar as liturgias e tirar do velho baú católico coisas ultrapassadas, arcaicas e mofas. Alguma coisa deu errada. No final dos anos 1970, quando, com o pontificado de João Paulo II, o neoconservadorismo começa a aparecer, dizia-se que a Igreja da libertação tinha que ser banida porque colocaria em risco o futuro da Igreja Católica no continente latino-americano. Acabaram com tudo aquilo que poderia cheirar a libertação, mas, mesmo com a implantação da neocristandade, o catolicismo murchou. O projeto neoconservador falhou e, com a chegada dele, acelerou-se o encolhimento do catolicismo brasileiro. O tiro parece ter saído pela culatra. Penso que está na hora da Igreja no Brasil fazer uma séria reflexão. Suas lideranças precisam ser honestas com elas mesmas, admitindo que falharam, acelerando, com seus métodos, o decréscimo dos católicos brasileiros. Elas que tinham tanto medo da teologia da libertação, que a demonizaram e combateram, agora amargam o resultado de suas intervenções. Elas, e não a Igreja da libertação, provocaram a crise do catolicismo brasileiro. Eu não estou preocupado com o crescimento dos evangélicos. Embora esteja convencido de que muitas igrejinhas evangélicas não possuem nenhuma ossatura de seriedade, penso que Deus tem os seus caminhos. Inclusive ele pode tirar o seu Reino de uma igreja, que se pretende dona dele, para entregá-lo a outra. E se ele entender que o entregará a algum seguimento evangélico, não há quem possa impedi-lo. O que desejo destacar nesta breve reflexão é o falimento de um modelo de Igreja que foi implantado em nosso país nos últimos anos. Perdeu-se a oportunidade de dar vida a um jeito de ser Igreja, bem mais próximo do Evangelho e da realidade do povo brasileiro. Disso não se pode fugir sem trair a verdade. É preciso que as lideranças admitam isso, se quiserem reverter um pouco a situação atual. Se insistirem em manter o atual sistema eclesiástico, nosso destino será ainda pior do que aquele da velha Europa: uma Igreja infantil, feminil e senil, empoeirada, sem juventude, sem perspectivas, sem vida. Não faltaram os “sinais dos tempos”, mas boa parte dos dirigentes da Igreja Católica preferiu “não interpretar o tempo presente” (Lc 12,56). Teria sido suficiente, por exemplo, levar a sério quanto disse Paulo VI na exortação apostólica Evangelii nuntiandi. Neste documento, elaborado a partir das indicações do Sínodo dos Bispos de 1974 sobre a evangelização no mundo contemporâneo, o papa, como que profeticamente, previa uma série de vias evangelizadoras bem condizentes e necessárias à Igreja de então. Mas, pelo visto, o projeto evangelizador neoconservador que veio em seguida não deu a mínima atenção ao que o pontífice havia indicado. Paulo VI, partindo da importância do testemunho, destacava a urgência do indispensável contato pessoal, “de pessoa a pessoa” (nº 46). E o contato pessoal não se dá através de uma pastoral de massas, da utilização impessoal da mídia, mas através da multiplicação de redes de pequenas comunidades, nas quais, advertia o papa, as pessoas poderiam preencher o desejo e a busca de relações mais humanas. O papa afirmava, então, o valor das comunidades eclesiais de base, as quais, de modo particular nas grandes metrópoles, poderiam contribuir eficazmente para a superação da massificação e do anonimato (nº 58). Mas o que fez a maioria das lideranças católicas? Preferiu a pastoral das massas, dos rebanhões, dos espetáculos, nos quais, como tem mostrado a sociologia da religião, prevalece o anonimato e a indiferença. As pessoas pulam, gritam, dançam, mas sem preocupação com “o outro”. Pensam apenas nos seus problemas e na satisfação imediata de suas necessidades e carências. A pastoral de massa não humaniza as relações. Congrega, reúne, mas não une e nem alimenta a solidariedade. As lideranças, em sua maioria, preferiram suprimir as comunidades eclesiais de base ou as relegaram a um plano secundário, de modo que se pode afirmar que a existência delas no momento atual é fruto do grande milagre da resistência de algumas pessoas. Enquanto isso, os evangélicos seguiam o caminho inverso, abrindo em cada esquina um pequeno templo nos quais as pessoas se encontram não só para rezar ou cantarolar, mas também para reforçar laços de amizade e de apoio mútuo. O calor humano torna-se, de certo modo, “vínculo da ágape”, mantendo as pessoas unidas na comunidade. Houve também o desmantelo de outros elementos, apontados por Paulo VI como essenciais para a nova evangelização. Pense-se, por exemplo, no retrocesso que se deu no campo do ecumenismo, do diálogo interreligioso, do diálogo com os não crentes e com os não praticantes. Mas se pense igualmente nos retrocessos internos que levaram as pessoas pensantes e mais conscientes a abandonarem definitivamente a Igreja Católica. Parece-me, pois, que já está na hora da hierarquia no Brasil colocar-se diante das várias perguntas sérias levantadas por tantas pessoas. E, como queria Paulo VI, “dar respostas leais, humildes e corajosas, agindo de consequência” (nº 5).

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